Terapia Nutricional no Paciente Cirúrgico em UTI

Celso Cukier
Daniel Magnoni

As duvidas mais frequentes em terapia nutricional conduzem o profissional de nutrição a indagações básicas e norteadoras do processo curativo, nesse artigo procuraremos colocar de forma clara e objetiva alguns questionamentos e análises correlatas

Quem nutrir?

É fato que a desnutrição pode interferir desfavoravelmente na evolução clínica do paciente submetido a procedimentos operatórios (quadro 1). Sua identificação é parte integrante do diagnóstico e diferentes metodologias podem e devem ser empregadas na avaliação nutricional do paciente. Surge, entretanto a questão: Deve sempre ser tratada?

Análise de diferentes estudos podem refletir a conclusão de que pacientes gravemente desnutridos em programação de cirurgia de grande porte poderão se beneficiar de terapia nutricional pré-operatória pelo período de sete a dez dias.

Ressalta-se assim, que pacientes com desnutrição leve ou moderada ou em programação cirúrgica de pequeno porte podem não ter benefício de terapia nutricional prévia.

Quando nutrir?

No período pré-operatório discutiremos apenas os pacientes em cirurgia eletiva, já que se tornaria impossível tomar condutas nutricionais pré-operatórias em cirurgia de urgência. Nesta fase, a diminuição da ingestão oral, aumento do catabolismo e imobilização do paciente poderão contribuir com a piora do estado nutricional.

A grande dificuldade na interpretação dos estudos existentes na literatura é sua falta de homogeneidade. Poucos trabalhos refletem de forma adequada o tipo de intervenção cirúrgica, a extensão da doença como em caso de câncer, duração da cirurgia, experiência do cirurgião, necessidade de transfusão sangüínea ou uso de antibióticos e composição da terapia nutricional utilizada. Faltam ainda critérios de definição para desnutrição e complicações.

Em estudo de Cöl et al.  (1998), que analisaram 40 pacientes com deiscência abdominal pós- laparotomia eploradora, comparados a grupo controle sem deiscência observaram, os autores, influência de hipoproteinemia como fator predisponente, mas não observaram impacto da nutrição parenteral total pré-operatória. Hipoproteinemia é apenas um dos fatores que caracterizam a desnutrição e, do ponto de vista prático, não deve ser usado isoladamente.

Aos dois grupos, eletivos e urgência, discute-se a terapia nutricional intra e pós-operatória. Descreve-se a introdução de terapia nutricional precoce, o que ocorreria no máximo até 72 horas do procedimento. O retorno da atividade mioentérica é rápida para o intestino delgado (4 h), estômago (24h) e mais lenta para o cólon (3 a 5 dias), permitindo introdução de terapia nutricional assim que possível, desde que haja estabilidade hemodinâmica e condições clínicas abdominais para a utilização do tubo digestório.

Em estudo de Singh et al. (1998), pacientes (43) operados por peritonite não traumática com iniciação precoce de terapia nutricional por jejunostomia apresentaram melhor balanço nitrogenado e menor quantidade de complicações sépticas quando comparados ao grupo controle (22 pacientes). A mortalidade relacionada à jejunostomia deve ser considerada e ocorreu em 3,8% dos casos, devendo ser procedimento respeitado e elaborado com eficácia e objetivos bem definidos (Gabriel et al., 1997).

Em estudo randomizado, prospectivo e controlado, a introdução precoce de NE a 26 pacientes submetidos a hepatectomia revelou aumento da atividade das células “Natural Killer” e do número total de linfócitos, bem como diminuição de complicações infecciosas de treze para oito por cento (Shirabe et al., 1997).

A terapia nutricional precoce no período pós-operatório tem sua maior indicação ao paciente submetido a cirurgia de urgência, principalmente pós-trauma, favorecendo diminuiçào das complicaçòes e menor tempo de internação (Heyland DK, 1999).

Como nutrir? NE ou NPT?

            Essa questão torna-se fundamental. No artigo apresentado discute-se a necessidade energética, macro e micronutrientes, abordando inclusive o controverso tema imunonutrição. Cabe ampliar essa discussão para esclarecer quais as reais vantagens e desvantagens entre NE e NPT.

A nutrição parenteral total (NPT) foi utilizada com freqüência em situações de estresse metabólico. Sua preferência em relação à nutrição enteral (NE) devia-se pelo fato de que a manipulação da NE, sua administração e as complicações praticamente impediam seu uso. Nos últimos anos com os avanços técnicos e tecnológicos a nutrição enteral ganhou segurança e sua maior utilização tornou-se evidente.

Entretanto, perguntas surgem em relação ao tipo de terapia nutricional a ser escolhida. Enteral ou parenteral?

Para elucidar ou, pelo menos, discutir essa dúvida devemo-nos basear em ciência e não a achados empíricos ou passionais. Alguns aspectos referentes a essa questão, como complicações e custos,  serão discutidos nessa sessão.

Deve-se atentar ao fato que atualmente busca-se o estado mais fisiológico. Qual seria mais fisiológico. A NE que simula o processo digestivo produzindo inúmeros fatores de crescimento de ação hormonal, parácrina e autócrina, mas necessita de gasto energético para que ocorra a digestão? Ou a NPT que fornece elementos simplificados já digeridos e que portanto teriam aproveitamento celular sem gasto de energia para sua digestão?  E o tempo de hospitalização? Alguma destas terapias seria superior em termos de diminuir o tempo de internação do paciente? Esta questão nos relembra o custo. Qual teria custo benefício melhor? É possível manipular estas terapias a nível domiciliar. Quais as vantagens de uma e de outra? Estes aspectos merecem análise isolada para que a compreensão e o julgamento possam ser efetuados.

O trato digestório é o responsável pela digestão e absorção dos alimentos. Sua integridade torna-se essencial à ministração de substâncias e qualquer impedimento de seu uso é indicação de terapia nutricional pela via endovenosa. Em circunstâncias normais o intestino é uma barreira eficiente entre os microorganismos luminais e os órgãos. Isto ocorre graças a fatores como secreções ricas em IgA, grande proporção de tecido lifóide intestinal e estrutura anatômica dos vilos, com fortes junções de suas células epiteliais. Crescimento bacteriano excessivo, imunossupressão, jejum prolongado, trauma, choque hemorrágico, obstrução intestinal e nutrição parenteral total etc. podem comprometer a barreira mucosa e aumentar a permeabilidade intestinal, favorecendo fenômeno conhecido como translocação microbiana  (TM) que, teoricamente, poderia causar complicações infecciosas comprometendo o estado de saúde do paciente. Entretanto, mais estudos devem ser realizados no sentido de provar a ocorrência da TM em seres humanos.

O estudo de Pettignano et al (1998) que estudou crianças submetidas à circulação extracorpórea que receberam NE ou NPT constatou maior sobrevida no grupo que foi nutrido com NE (79% X 100%), além de menor número de complicações infecciosas.

Complicações infecciosas ocorrem com freqüência aproximada de sete por cento em pacientes em terapia nutricional parenteral. Efeitos desfavoráveis na função de células do sistema imunológico como neutrófilos e macrófagos têm sido documentados. Estudos têm demonstrado vantagens do uso de NE sobre a NPT em termos de complicações infecciosas em trauma abdominal (Lipman, 1998), Em estudo prospectivo, randomizado foi comparada a terapia nutricional parenteral e enteral a 29 pacientes submetidos à gastrectomia total por cancer. Neste estudo as complicações infecciosas ocorreram em 23% para a NE e 31% para a NPT (Sand et al., 1997). Estes efeitos parecem estar relacionados com a infusão exacerbada de glicose, que não deve ultrapassar 5 mg/kg/min e pode causar uma espécie de “diabetes iatrogênico”. Esta situação de elevação da glicemia superior da NPT foi relatada por McClaud et al. em pacientes portadores de pancreatite aguda. Cukier et al (1996) observaram menor índice de fagocitose no fígado e pulmões em ratos submetido à NPT em regime glicídico quando comparado ao regime lipídico com MCT/LCT, demonstrando influência do regime glicídico sobre células do sistema mononuclear fagocitário.. É possível que trabalhos considerando a situação hiperglicêmica exibam estatísticas diferentes quando forem comparadas as terapias nutricionais parenteral e enteral.

Em relação ao custo destaca-se o uso da nutrição enteral como vantajoso. É a única situação realmente comprovada de vantagem da NE que tem custo entre três e quatro vezes menor que a NPT. Em questionário ministrado a pacientes submetidos à NPT ou NE domiciliar constatou-se menor custo de manutenção de NE em relação à NPT (55.193,00 + 30.596,00 X 9.605,00 + 9.327), sendo o custo máximo para a NPT de 140.220,00 e da NE de 39.204,00). Estes dados mostram claramente a diferença de custos entre as duas terapias observando-se vantagens para a NE.

Referências

Cöl et al  (1998) – Tokai J Exp Clin Med 23:123, 1998

Heyland DK – Rev Bras Nutr Clin 14:95, 1999 Singh et al – J Am Coll Surg 187:142, 1998 Waldhausen et al – 211:777-85, 1990

Gabriel et al – Crit Care Med 25:641, 1997

Shirabe et al – Hepatogastroenterology 44:205, 1997

Efeitos da desnutrição no paciente cirurgico

  • > infecção
  • < cicatrização
  • < força tênsil de suturas
  • Hipoproteinemia – edema
  • < motilidade intestinal
  • Fraqueza muscular
  • > mortalidade
  • > morbidade
  • Hospitalização prolongada
  • Convelescência prolongada
  • Custos elevados