Terapia nutricional na aids, geriatria, gravidez, transplantes e oncologia

Dr. Celso Cukier

Terapia Nutricional na AIDS

A terapia nutricional enteral e parenteral adquiriu avanços no sentido de desenvolver nutrientes adequados específicos para as patologias que os requerem. Situações como a AIDS, onde a caquexia associada à diarréia intensa e o número exacerbado de medicamentos propiciam desnutrição. A desnutrição, por sua vez, modifica a evolução clínica do portador e da manifestaçào clínica. O diagnóstico precoce do risco nutricional e o acompanhamento clínico-nutricional frequente fazem parte da terapêutica atual como um todo. A compreenção de deficiências específicas e sistemas energéticos do paciente portador de AIDS pode modificar favoravelmente a evolução da patologia, melhorar sua qualidade de vida e contribuir com a melhor aceitação do paciente frente à família e o meio em que convive.

Terapia Nutricional na GERIATRIA

Define-se o idoso como indivíduo mais velho que 65 anos de idade. Esta faixa populacional corresponde a 12 % da população americana e seu crescimento deve crescer aos 22% nos Estados Unidos. O Brasil, que conta com população de 157.079.573, de acordo com o último censo (IBGE – www.ibge.org.br), possui 12.719.198 habitantes com mais de 60 anos de idade, o que corresponde a 8,1%. Embora sejam taxas percentuais menores que a americana, esta faixa populacional tende a aumentar, já que a atual esperança de vida ao nascer é de 67,6 anos (63,9 anos para homens e 71,4 anos para mulheres). Devido ao aumento na expectativa de vida, o idoso passou a ser mais acometido por doenças agudas e crônicas e é internado com maior freqüência. A alta prevalência de doenças da terceira idade (85% dos idosos têm pelo menos uma doença crônica) pode ocasionar desnutrição, o que certamente contribui com maior custo de tratamento. Diferentes causas de desnutrição nesses pacientes são freqüentemente reversíveis. O crescimento populacional de pacientes idosos nos obriga a identificar precocemente o estado nutricional, isolando os pacientes desnutridos ou em risco de desnutrição. Esta prática deve ser sempre utilizada na prática clínica por meio de avaliação antropométrica subjetiva e objetiva.

Terapia Nutricional na GRAVIDEZ

Gravidez: Modificações orgânicas femininas ocorreram nos últimos 150 anos, como antecipação da menarca (12,5 anos) e aumento na idade média da menopausa (50 anos). Estas mudanças propiciaram à mulher maior potencial reprodutivo (quase 40 anos). A gravidez é um processo fisiológico associado a alterações orgânicas gerais e de vias metabólicas específicas. O maior volume sanguíneo, crescimento orgânico do útero e mamas e desenvolvimento do concepto (feto e placenta) promove ganho de peso materno de aproximadamente 12,5 kg e ganho médio fetal de 3,3 kg. Conjuntamente, ocorre síntese protéica que pode significar, em média, 925 gramas de proteína acumulada. As necessidade protéicas da gestante são progressivamente maiores em relação aos trimestres de gravidez. O consumo energético, vitamínico e mineral deve ser aumentado a fim de suprir as necessidades da mãe e do feto, especialmente a partir do segundo trimestre de gestação quando o ganho tecidual aumenta em maior proporção.

Terapia Nutricional na ONCOLOGIA

Em pacientes oncológicos observa-se caquexia associada à desnutrição. A baixa ingestão calórico-protéica, o aumento do gasto energético devido à presença do tumor e o tratamento coadjuvante (químio e radioterapia) contribuem para aparecimento de desnutrição. Desnutrição e caquexia são manifestações freqüentes no paciente portador de cancer e estão associadas à maior morbi-mortalidade e menor resposta à terapia coadjuvante. A identificação do estado nutricional e a introduçào precoce da terapia nutricional ao paciente desnutrido ou em risco de desnutrição influenciam a recuperação do mesmo. Frequentemente pacientes oncológicos são submetidos a tratamento coadjuvante químio e radioterápico associados à cirurgia. A manutenção do estado nutricional no período do tratamento anti-neoplásico pode influenciar favoravelmente a qualidade de vida em pacientes oncológicos.

Terapia Nutricional no Transplante de Órgãos
A prática do transplante de órgãos ganhou espaço definitivo nos últimos anos e seu crescimento tende a ser progressivo, já que pode proporcionar a cura definitiva em determinadas doenças. Entretanto, o ato do transplante é indicador de trauma de grande proporção e geralmente seguido de imunossupressão. O estado nutricional prévio a esse procedimento influirá certamente na evolução final. A terapia do transplante não segue desacompanhada. Além do trauma causado pelo ato operatório, que pode durar várias horas, químio e radioterapia e infecções associadas ao estado da imunossupressão influenciam a recuperação pós-operatória e a sobrevida do paciente. O uso de corticosteróides pode ocasionar hiperglicemia e quimioterápicos (L-asparginase), favorecem o aparecimento de diabetes insulino-dependente e podem causar dano direto às células beta do pâncreas (bussulfam), havendo prejuíso no metabolismo da glicose. O uso de ciclosporina, por sua vez, modifica o metabolismo lipídico e ocasiona estado de hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia.
A detecção e tratamento precoce da desnutrição podem ser considerados obrigatórios e fazem parte integrante do procedimento diagnóstico e terapêutico como um todo. Procuraremos discutir as principais modificações metabólico-funcionais dos transplantes de fígado, medula óssea, rim e intestino delgado.
O fígado é o órgão com maior número de funções metabólicas que se relacionam ao aproveitamento energético dos nutrientes. Algumas de suas funções podem ser observadas na figura abaixo.

Modificações hepáticas anatômicas e funcionais que ocorrem freqüentemente no paciente com indicação de transplante hepático podem determinar evolução clínica desfavorável no período pós transplante. A atuação profissional precoce da equipe multidisciplinar de terapia nutricional é essencial nesta fase.
O estado nutricional de doentes portadores de doença parenquimatosa hepática pode ser eventualmente melhorado com a suplementação dietética adequada pela via oral, enteral ou parenteral. A escolha da via de suporte nutricional depende da condição do trato digestivo do paciente. Sempre que o tubo digestivo estiver funcionante, deve ser utilizado. Na ausência de peristaltismo intestinal, presença de peritonite (ascite infectada com grande distenção abdominal) e fístulas digestivas de grande débito, impõe-se o uso de Nutrição Parenteral Total. A ministração nutricional em hepatopatas esbarra na restrição hídrica e principalmente salina, necessária para o controle da ascite e síndrome hepato-renal destes pacientes.
O transplante de medula óssea (TMO) é indicado em condição de falência medular irreversível como leucemia aguda ou crônica, linfomas, anemia aplástica grave e talassemia maior. O TMO pode ser autólogo (do próprio indivíduo) ou alogênico (entre indivíduos semelhantes do ponto de vista parcial ou total do complexo maior de histocompatibilidade – HLA). Químio e radioterapia, imunossupressão e infecções virais, bacterianas e fúngicas são parte integrante deste procedimento. O controle rígido das alterações metabólico-nutricionais pode auxiliar a evolução deste procedimento.
A evolução da insuficiência renal crônica com indicação de transplante renal implica em restrição calórico-protéica associada a importante perda de proteínas durante as repetidas diálises. Como esses pacientes são normometabólicos esta restrição associa-se à perda de peso e conseqüente perda de massa muscular e proteína visceral. O sódio, cálcio e fósforo são geralmente de difícil controle e somam alterações metabólicas importantes. A desnutrição adquirida no período pré-operatório interferirá na recuperação pós-operatória quando o catabolismo estará exacerbado. O controle nutricional prévio ao transplante torna-se fundamental. Dietas hipoprotéicas podem reduzir a proteinúria e diminuir a progressão da falência renal do rim remanescente, com melhora na permeabilidade e seletividade glomerular.
O transplante de intestino delgado seria o tratamento definitivo para a síndrome do intestino curto caso os problemas referentes à rejeição do órgão fossem completamente contornados. Sua indicação restringe-se atualmente a casos avançados em que há extrema dificuldade de acesso venoso aos pacientes dependentes da nutrição parenteral total (NPT) ou ocorram lesões hepáticas avançadas pelo uso prolongado da NPT. Após o transplante do intestino delgado, o órgão necessitará período de aproximadamente duas semanas para recuperar sua capacidade funcional. A NPT deve ser retomada no período pós-operatório imediato, assim que ocorra estabilização hemodinâmica. A dieta enteral pode ser iniciada quando houver evidências satisfatórias de motilidade intestinal adequada. Recomenda-se dieta de baixa osmolaridade associada ao uso de glutamina e triglicérides de cadeia média. A progressão da dieta é realizada respeitando-se a adaptação e tolerância de cada paciente.
Os aspectos abordados neste suplemento, embora pareçam distintos, abordam pontos comuns. É fato que a terapia nutricional deve ser instituída precocemente. O diagnóstico precoce dos pacientes desnutridos ou em risco de desnutrição passa a fazer parte integrante da investigação clínica. O tratamento nutricional imediato pode certamente modificar a evolução clínica, beneficiando a qualidade de vida dos pacientes.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

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