Dr. Celso Cukier
Nos últimos 25 anos, substâncias com diferentes características físico-químicas conhecidas como fibras têm sido pesquisadas. Interesse maior surgiu na última década com a introdução do conceito "alimento funcional". O alimento funcional pode ser definido como alimento que contem substâncias com atividade biológica que podem estar envolvidas na prevenção e tratamento de doenças. A suplementação das fibras em diferentes compostos alimentares tem sido observada com freqüência. Cabe a discussão da importância clínica dessas substâncias pela compreensão de seus efeitos fisiológicos.
Fibras são compostas geralmente por carboidratos ou derivados de carboidratos de origem vegetal. Resistem à hidrólise pelas enzimas digestivas alcançando as porções distais do tubo digestório íntegras em sua grande maioria.
A maior parte das substâncias caracterizadas como fibras são polissacarídeos não amiláceos. Excetua-se neste grupo a lignina, um polímero de fenilpropil álcool e ácidos, derivado da madeira de troncos e sementes de frutas e presente na camada externa de cereais.
No cólon, as fibras permanecem intactas ou podem ser parcialmente hidrolisadas e fermentadas por bactérias. Seus efeitos fisiológicos dependerão de características como solubilidade, viscosidade, capacidade para reter água e minerais. As funções fisiológicas das fibras variam conforme o vegetal e seu grau de maturidade. Daí a dificuldade para assegurar e apropriar a quantidade e qualidade do ingerido.
Para simplificar a compreensão e aplicação na prática clínica procurou-se adequar uma classificação mais ampla a essas substâncias. Podem ser classificadas em solúveis (viscosas e muito fermentadas) e insolúveis (não são viscosas e pouco fermentadas).
Alguns carboidratos com propriedades físico-químicas semelhantes às fibras foram recentemente classificados como fibras. Entre eles encontra-se a inulina e frutooligossacárides, amido resistente e açúcares não absorvidos.
Os efeitos orgânicos das fibras são distintos e dependem de suas características. Algumas fibras solúveis como pectina e gomas podem diminuir o tempo de esvaziamento gástrico e de trânsito intestinal. Ao contrário, fibras insolúveis podem aumentar o trânsito no intestino delgado.
Fibras solúveis podem interferir desfavoravelmente sobre a absorção de nutrientes. Absorção de carboidratos pode estar dificultada na presença de fibras solúveis por essas diminuírem a taxa de difusão da glicose. Ligam-se aos sais biliares diminuindo sua reabsorção e podem diminuir, em certos casos, a absorção de proteínas. Absorção de minerais como cálcio, magnésio, ferro, cobre e zinco não parecem sofrer influência diante das fibras.
Fibras insolúveis não são usualmente degradadas, embora possam sofrer hidrólise ou fermentação. Fibras solúveis são, na maioria, hidrolizadas e fermentadas (exceto carboximetilcelulose entre outras). Muitas espécies de bactérias atuam no processo de degradação das fibras. Entre elas se destacam Baterióides, Bifidobacterium, Clostridium e Lactobacilos. Após fermentação forma-se ácidos graxos de cadeia curta como acetato, propionato e butirato. Lactato, succinato e piruvato podem ser produzidos como produto intermediário desse processo ou da fermentação da inulina e frutooligossacárides.
Fibras insolúveis e solúveis aumentam o peso e volume fecal por mecanismos diferentes. As insolúveis retém água no interior de uma matriz e promovem aumento maior do bolo fecal em relação às solúveis que, por serem fermentáveis, aumentam o peso e volume pela maior massa bacteriana fecal.
A presença de ácidos graxos de cadeia curta formados pela fermentação das fibras aumenta a absorção de água no cólon. Este mecanismo pode ser útil no controle de alguns tipos de diarréia.
Fibras elevam a viscosidade do quimo. Esse efeito associado à produção de ácidos graxos de cadeia curta podem melhorar a tolerância à glicose e diminuir níveis séricos de colesterol total e LDL.
A ingestão recomendada de fibras situa-se entre 10 e 13 gramas por 1000 calorias, o que em média significará 20 a 35 gramas ao dia. Esta proporção pode ser alcançada em pacientes em alimentação enteral, já que existem, comercialmente disponíveis, dietas enterais ricas em fibras.
Pelas suas propriedades, o uso de fibras em nutrição enteral (NE) pode ter benefícios. O controle da diarréia, que ocorre de 25 a 65% em pacientes com NE, pode ser obtido com adição de fibras (pectina, psilio) à dieta enteral. Frutooligossacarídeos, por sua ação bifidogênica, possuem efeito similar.
A constipação, por sua vez, pode ser combatida com a adição de fibra de soja na dose de 12 a 25 g/dia. Frutooligossacárides e inulina também podem Ter efeitos favoráveis nessa entidade.
Determinadas fibras e substâncias semelhantes às fibras podem exercer efeitos benéficos sobre a manutenção estrutural da mucosa intestinal, função imunológica sistêmica e local do intestino, melhora da tolerância à glicose e do perfil lipídico de pacientes.
Ressalta-se a importância do conhecimento fisiológico de cada manifestação clínica para a introdução do tipo de fibra adequado. Maior número de estudos deve ser efetuado para avaliar o tipo de fibra correto e sua dosagem a fim de obter o efeito orgânico desejável.