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Aspectos Clín. e Farmacêuticos relac. à Suplementação de Cálcio e Fósforo em Nutri. Paren. Neonatal

Tatiana Ferreira Marques
Dirce Akamine
Michel Kfouri Filho

Os grandes avanços nas técnicas médicas e cirúrgicas e o desenvolvimento de novos medicamentos na área de neonatologia permitiram que nascimentos prematuros e enfermidades congênitas ou adquiridas de pacientes pediátricos obtivessem melhores prognósticos. O uso de nutrições parenterais culminou em uma redução da mortalidade entre os infantes gravemente doentes. Diferentemente da população adulta, as reservas de nutrientes endógenos são limitadas na população pediátrica e podem ser rapidamente extintas com os estresses metabólicos oriundos de procedimentos cirúrgicos e doenças.

As necessidades eletrolíticas do paciente neonatal também apresentam particularidades, tendo influência multifatorial. No recém-nascido, a função imatura dos rins pode resultar em excesso de perdas de água e sódio durante os primeiros dias de vida. Outras condições como diarréia, vômitos ou terapias medicamentosas podem resultar em maiores perdas de potássio e magnésio. As exigências em cálcio e fósforo também são maiores no neonato, devido a um rápido desenvolvimento do esqueleto. Dessa maneira, a oferta de cada eletrólito deve ser feita em bases individuais.

Clinicamente ideal, o objetivo da suplementação de cálcio e fósforo na nutrição parenteral é ofertar quantidades destes micronutrientes que estimulem o metabolismo celular positivamente, resultando em mineralização óssea.

O protocolo de Nutrição Parenteral do Centro Médico Cedars-Sinai de Los Angeles, Califórnia,  preconiza  que a relação entre Cálcio e Fósforo deve ser de 1,7 em peso (mg de Ca/mg de P), pois estudos demonstraram que esta é a relação mais próxima às quantidades observadas em meio  intra-uterino,  permitindo maior retenção dos íons e diminuição da excreção urinária de fósforo, promovendo a mineralização óssea.

De acordo com o estudo desenvolvido por Pelegano et al, do Centro Universitário de Connecticut, foram observados 3 grupos de neonatos de baixo peso, cada grupo utilizando uma relação diferente entre cálcio e fósforo: 2:1; 1,7:1 e 1,3:1.  Depois de 48 horas de administração, foram medidos os níveis séricos de cálcio, fósforo e fosfatase alcalina e os níveis de retenção destes eletrólitos. A retenção de cálcio foi maior nos grupos onde a relação Ca/P era de 2:1 e 1,7:1, enquanto a maior retenção de fósforo foi observada nos grupos onde a relação era de 1,7:1 e 1,3:1. Desta maneira, o estudo conclui que a relação fisiológica de 1,7:1 entre cálcio e fósforo continua sendo a ideal.

No entanto, ao ofertar estes eletrólitos obedecendo a relação fisiológica entre cálcio e fósforo na nutrição parenteral, esbarra-se em um problema farmacotécnico: em altas concentrações, cátions divalentes como o cálcio podem causar precipitação e também desestabilizar a emulsão lipídica.

Reconhecidamente, a maior preocupação das nutrições parenterais do tipo 3-em-1 é a instabilidade da emulsão lipídica frente ao uso de altas concentrações de eletrólitos e oligoelementos para neonatos.

As emulsões lipídicas são formadas por duas substâncias imiscíveis; uma oleosa na forma de gotículas e outra aquosa, onde estão dispersas as gotículas de óleo. Para que este sistema torne-se estável, acrescenta-se um agente emulsionante (as apresentações comercialmente disponíveis apresentam a lecitina do ovo nesta função), que funciona através de dois mecanismos: 1)barreira mecânica; ocorre a formação de um filme ao redor de cada glóbulo oleoso, que funciona como uma interface entre as duas fases; e 2)barreira eletrostática; onde os grupos fosfato presentes na lecitina de ovo são ionizados e apresentam cargas negativas. Estas cargas ficam ao redor de cada gotícula, garantindo a repulsão entre elas.

O pH determina o estado e o grau de ionização do emulsificante, sendo que a máxima estabilidade da emulsão é atingida numa faixa de pH entre 5 e 10. A medida que se diminui o pH, as cargas elétricas do emulsificante se neutralizam, desaparecendo as forças repulsivas e favorecendo a quebra da emulsão lipídica.

A desestabilização ocorre principalmente pela neutralização das cargas elétricas do emulsificante, que perde seu poder de repulsão eletrostática e favorece o agrupamento das gotículas oleosas, levando à coalescência e consequentemente quebra da emulsão. Assim, todo o conteúdo eletrolítico presente em uma nutrição parenteral do tipo 3-em-1 é potencialmente perigoso para a estabilidade da emulsão lipídica do sistema. Cabe assinalar que quanto maior a valência de um cátion livre em solução, maior seu potencial de neutralizar a ação do emulsificante, o que faz dos cátions divalentes (como o cálcio e o magnésio) e dos oligoelementos as substâncias que apresentam perigo real, pois em neonatologia, grandes ofertas de cálcio e oligoelementos são requeridas.

Sendo a instabilidade multifatorial, há poucas referências bibliográficas quanto à concentração máxima de cálcio que assegure a estabilidade da emulsão lipídica. O fabricante do Intralip 10% e 20% (Kabi-Fresenius) preconiza o uso de até 8 mEq/L de cálcio enquanto outros estudos apontam formação de creaming numa concentração de 7,2 mEq/L de cálcio.

Outro problema farmacotécnico da adição de grandes doses de cálcio em nutrições parenterais para neonatos é sua reação com fosfato, formando sais insolúveis.

O íon fosfato é poliprótido, apresentando várias constantes de dissociação em solução aquosa, sendo que os diferentes sais que se formam com cálcio têm diferentes solubilidades (vide figura abaixo).

  

Assim, o pKa rege a espécie de fosfato na dissolução, de acordo com o pH.

Do ponto de vista físico-químico, observa-se duas situações de precipitação: 1)precipitação imediata, claramente visível durante a manipulação da NPT, forma um precipitado amorfo branco, em flocos, cuja estrutura corresponde ao fosfato cálcico - Ca3(PO4)2; e 2)precipitação mediada pelo tempo, que pode ou não ser visível, e ocorre pela cristalização do fosfato cálcico dibásico - CaHPO4, que se apresenta como cristais semitransparentes e bem definidos, normalmente aderidos às paredes da bolsa de NPT, mas que também podem se formar na linha de infusão do catéter, obstruindo-o.

A precipitação de cálcio e fósforo nas misturas de nutrição parenteral apresenta conseqüências clínicas importantes para o paciente (como embolia pulmonar em neonatos) e não é previsível apenas por simples cálculos, dependendo de múltiplos fatores. Tais fatores podem estar ligados direta ou indiretamente à incorporação destes íons à nutrição parenteral, conforme a tabela:

Fatores diretos

Fatores indiretos

§         pH

§         Concentração de Cálcio

§         Concentração de Fósforo

§         Fonte de Cálcio

§         Fonte de Fósforo

§         Concentração de Magnésio

§         Concentração final de Aminoácidos

§         Ordem de adição

§        Temperatura e tempo de conservação

§         Temperatura de administração

 Destes, o pH é o fator mais importante, regulando de forma determinante a compatibilidade de qualquer sistema Ca-P. Assim, todos os fatores que alteram o pH final da mistura vão influir na precipitação.

O pH ácido favorece a forma monobásica do fosfato (diidrogeno fosfato), mais solúvel, diminuindo o risco da precipitação, enquanto que em pH=7,4 predomina a forma dibásica, aumentando o risco.

O segundo fator de maior importância para a precipitação destes íons é a concentração final de cálcio iônico livre, que depende do grau de dissociação do sal de cálcio empregado. Os sais inorgânicos (como o cloreto de cálcio - CaCl2) estão mais dissociados que os sais orgânicos (como o gluconato de cálcio).

Desta maneira, observa-se que o risco de precipitação está intrinsecamente relacionado ao grau de dissociação dos sais de cálcio e fosfato, sendo que aqueles que apresentam-se mais dissociados também apresentam os maiores riscos de formarem precipitados, pois todo íon livre pode complexar-se com outro que estiver presente na mistura final.

Atualmente, com o intuito de minimizar tais riscos ofertando as quantidades ótimas de cálcio e fósforo e obedecendo à relação fisiológica entre estes íons, os hospitais brasileiros já contam com sais orgânicos de fósforo, como o glicerofosfato dissódico e a glicose 1-fosfato tetrassódica, que entre suas características está o fato de serem totalmente biodisponíveis e não serem dissociáveis, o que praticamente anula o risco de precipitação.

A composição do Fósforo Orgânico (como glicerofosfato dissódico) disponível no Brasil apresenta:

Fósforo

0,33 mMol/mL

10,23 mg/mL

Sódio

0,66 mMol/mL

15,33 mg/mL

Glicose

0,33 mMol/mL

60,09 mg/mL

É importante observar que sua composição não contém potássio, mas apresenta uma quantidade significativa de sódio, que deve ser levado em conta ao se ofertar sódio ao paciente por outra fonte, como cloreto de sódio ou acetato de sódio na NPT.

Desta maneira, o Fósforo Orgânico é totalmente compatível com gluconato de cálcio e não apresenta restrição quanto à relação fisiológica entre cálcio e fósforo de 1,7:1, podendo-se atingir uma concentração máxima de cálcio de 8 mEq/L na mistura final (acima desta concentração, misturas parenterais do tipo 3-em-1 sofrem desestabilização da emulsão lipídica pelos cátions divalentes).

A oferta de fosfato através da prescrição de Fósforo Orgânico é uma tendência mundial, atingindo o principal objetivo da Terapia Nutricional Parenteral: promover o equilíbrio metabólico através da oferta ideal de macro e micronutrientes, oligoementos e água.

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