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Fístulas Digestivas – Aspectos Clínicos

Celso Cukier
Daniel Magnoni

As fístulas gastrointestinais representam complicações importantes no período pós operatório, especialmente de cirurgias abdominais e são associadas a altos índices de morbidade e mortalidade. Permitem o contato de secreções do tubo digestório com o interior do abdome ou com o meio externo, promovendo grande perda substancial.

A ocorrência desta complicação prolonga o tempo de internação hospitalar e conseqüentemente, aumenta os custos financeiros.

No passado, a mortalidade associada a esta complicação era de 43%. Na atualidade, estes índices são bem menores, principalmente pelo emprego de nutrição enteral e parenteral A mortalidade atual é estimada de 5,3% a 21,3%.

A classificação dos diferentes tipos de fístula visa diferentes propostas diagnósticas e terapêuticas, bem como avaliação prognóstica quanto a sua resolução. Podemos classificar as fístulas pós-operatórias em alguns subtipos conforme o quadro 1.

Entre os fatores importantes para o tratamento encontram-se as perdas hidroeletrolíticas que ocorrem pela presença da fístula na dependência de sua localização topográfica (quadro 2). Os principais fatores preditivos de fechamento espontâneo da fístula são resumidos no quadro 3.

O diagnóstico de uma fístula dependerá de fatores diversos como o estado clínico do paciente, local da manipulação cirúrgica, condição em que o procedimento foi executado como em caso de cirurgia de urgência e necessidade de preparo de cólon etc. Cerca de 80% das fístulas gastrointestinais ocorrem após cirurgias intra-abdominais, com menor prevalência de fístulas espontâneas, que ocorrem geralmente em caso de doença inflamatória ou infecciosa.

Aproximadamente 15-25% das fístulas gastrointestinais formam-se espontaneamente. Os principais fatores predisponentes incluem doença inflamatória intestinal, abscesso intra-cavitário, isquemia intestinal, neoplasia maligna e radioterapia. Outros fatores como doença diverticular e erosões causadas por drenos abdominais são considerados co-responsáveis.

O período de maior probabilidade de aparecimento da fístula é do terceiro ao décimo dia pós-operatório, com maior prevalência entre o quarto e sétimo dia. Fístulas que surgem até 48 horas do procedimento operatório são consideradas precoces, resultantes principalmente de erro técnico. Em boa parte das vezes, sua correção é cirúrgica.

Fatores locais e sistêmicos contribuem para a formação da fístula no período pós-operatório, tais como: infecção, deiscência de anastomose por isquemia, tensão ou obstrução distal. Lesões de serosa ou total da parede de uma alça intestinal, lesão inadvertida de vasos mesentéricos, hematoma peri-sutura por hemostasia incompleta e defeitos da linha de sutura favorecem esta complicação. Fatores sistêmicos incluem desnutrição e imunossupressão medicamentosa ou por patologia específica.

Os sintomas clínicos incluem dor inicialmente local e depois difusa e febre, embora a ocorrência de fístula possa ser assintomática. As fístulas externas são mais fáceis de serem diagnosticadas, pelo débito purulento ou entérico, celulite local e sepse. As fístulas internas podem cursar com diarréia, dispnéia, leucocitose, pneumatúria, fecalúria ou piúria e sepse. É fundamental a identificação do local da fístula e fatores etiológicos, bem como a presença de obstruções, abscessos ou pseudocistos pancreáticos.

Os principais responsáveis pelos índices de morbidade são desnutrição, distúrbio hidroeletrolítico e sepse. Os principais fatores relacionados à evolução da fístula estão relacionados nos quadros 4 e 5.

Grandes volumes de secreção gastrointestinal podem ser perdidos pela fístula, gerando distúrbios como desidratação, hiponatremia, hipocalemia e acidose metabólica. O líquido da fístula deve ser analisado para documentação das perdas diárias. Exames laboratoriais devem monitorar os eventuais distúrbios e a correção deve ser precoce e eficaz.

Desnutrição é uma das maiores preocupações nos pacientes portadores de fístulas gastrointestinais. Ocorre, principalmente, devido ao débito protéico da secreção, restrição alimentar e catabolismo associado a sepse. A hipoproteinemia leva a um retardo no esvaziamento gástrico e íleo prolongado, aumentando a chance de deiscência da ferida operatória e maior risco de infecção. A atividade dos fibroblastos fica diminuída, prejudicando a cicatrização. O suporte nutricional deve ser instalado o mais breve possível no tratamento das fístulas gastrointestinais. Deve-se instituir jejum oral nas fístulas gástricas, duodenais, pancreáticas e de delgado. A presença de alimentos no trato gastrointestinal estimula a secreção de sucos digestivos, aumentando o débito da fístula. Os pacientes com fístula de baixo débito devem receber aporte de 1 a 1,5 g de proteínas/kg/dia sendo pelo menos 30% da ingestão calórica composta de lipídios. Sempre que possível, a nutrição enteral será o método nutricional de escolha. Com o advento das dietas hidrolisadas cuja formação de resíduos estaria eliminada e a absorção de nutrientes se daria mais precocemente a introdução de nutrição enteral foi facilitada. Associação da nutrição enteral com nutrição parenteral poderá ser instituída após análise individual do caso. Deve-se suplementar a ingestão de vitaminas e minerais, com atenção especial ao zinco, especialmente nas fístulas intestinais de alto débito.

Fístulas digestivas são entidades de tratamento individualizado. Na dependência dos diferentes fatores de causa e evolução descritos deve-se, inicialmente, apoiar o tratamento clínico.

A terapia nutricional, quando aplicada corretamente, favorece a estabilização do paciente e o fechamento da fístula, sendo parte integrante obrigatória do tratamento.

Quadro 1. Classificação dos principais tipos de fístula

Classificação

Tipos

Característica

Tipo de comunicação

Interna

Externa

Sem exteriorização

Comunicação para exterior

Volume de débito

Baixo

Alto

< 500 mL/24h

> 500 mL/24h

Características do trajeto

Simples

Complexas

Trajeto único

Múltiplas fístulas

Abertura da fístula

Lateral

Terminal

Difícil fechamento espontâneo

Mais fisiológico, fechamento espontâneo mais provável

Quadro 2. Composição eletrolítica dos débitos de diferentes topografias de fístula

Fluido

Na (mEq/L)

K(mEq/L)

Cl(mEq/L)

HCO3 (mEq/L)

Volume ( ml)

Gástrico

20-80

5-20

100-150

5 – 25

1.000 – 2.500

Pancreático

120-140

5-15

40-80

60 - 110

500 – 1.000

Jejunal

100-140

5-15

90-130

20 - 40

1.000 – 3.000

Biliar

120-140

5-15

80-120

30 – 40

300 – 1.000

Ileal

45-135

3-15

20-115

20 - 40

1.000 – 3.000

Quadro 3. Fatores preditivos do fechamento espontâneo da fístula digestiva, segundo Falconi (2002)

Favorável

Desfavorável

•  Fístula terminal

•  Ausência de abscesso contíguo

•  Intestino adjacente sadio

•  Fluxo distal livre

•  Trajeto fistuloso > 2 cm

•  Trajeto não epitelizado

•  Abertura enteral < 1 cm

•  Local

•  Esofágica

•  Duodenal

•  Pancreatobiliar

•  Jejunal

•  Fístula lateral

•  Abscesso adjacente

•  Intestino adjacente doente

•  Obstrução distal a fístula

•  Trajeto fistuloso < 2 cm

•  Trajeto epitelizado

•  Abertura enteral > 1 cm

•  Local

•  Gástrica

•  Ligamento de Treitz

•  Ileal

Quadro 4. Fatores que dificultam ou impedem o fechamento das fístulas digestivas.

•  mucosa labiada ou evertida

•  perda da continuidade intestinal

•  obstrução distal

•  parede intestinal comprometida por neoplasia ou doença inflamatória

•  presença de corpo estranho

•  abscesso intra-cavitário

•  radioterapia

Quadro 5. fatores preditivos do fechamento espontâneo das fístulas digestivas.

•  etiologia pós-operatória

•  débito inferior a 500 ml/dia

•  operação inicial praticada no próprio hospital onde a fístula é tratada

•  ausência de complicações

•  possibilidade do uso de dieta oral

•  localização bileo-pancreática

Referências:

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•  Edmunds, L. H., Williams, G. H., Welch, C. E. External fistulas arising from the gastrointestinal tract. Ann Surg, 152:445-71, 1960.

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•  Rasslan S, Candelária P – Fístulas digestivas. In. Magnoni e Cukier. Perguntas e respostas em nutrição clínica. Pp. 2000.

•  Torres, A. J., Landa, J. I., Moreno-Azcoita, M., et al. Somatostatin in the management of gastrointestinal fistulas. A multicenter trial. Arch Surg, 127:97-9, 1992.

•  Ysebaert, D., Van Hee, R., Hubens, G., et al. Management of digestive fistulas. Scand J Gastroenterol, 49:42-4, 1994.

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