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Complicações da NPT sob ótica do farmacêutico

Michel Kfouri Filho*

Podemos elencar que de uma forma geral, as complicações relativas à Terapia de Nutrição Parenteral (TNP) estão relacionadas a três grandes grupos: - infecciosas, mecânicas e  metabólicas.

A atribuição básica do farmacêutico na equipe multiprofissional de terapia nutricional, entre outras, e garantir o fornecimento de misturas intravenosas (NPT)  - estáveis e compatíveis, nas dosagens adequadas, estéreis e apirogênicas.

Correlacionando a complicações da TNP com as atribuições básicas do profissional podemos elencar quais são as possíveis medidas que este profissional pode interferir no sentido de administrá-las no seu dia-a-dia.

1- Osmolaridade da mistura – a primeira preocupação do profissional farmacêutico está, antes de uma análise mais detalhada da prescrição é verificar se a osmolaridade calculada está dentro daquilo que é aceito como indicativo de acesso periférico ou central.

A osmolaridade desejada para a administração periférica de NPT é de 600 mOsm/l , nunca excedendo 900mOsm/l. A administração de misturas com osmolaridades superiores a esta, relacionam-se diretamente com o aumento da incidência de flebites, mesmo com o uso concomitante de doses subterapêuticas de heparina de hidrocortisona.

Cabe ressaltar que é de fundamental importância citar no rótulo da NPT a osmolaridade calculada e a via de acesso, evitando possíveis falhas.

2- Oferta nitrogenada – começando agora uma avaliação detalhada da prescrição médica, devemos inicialmente nos preocupar com as grandes ofertas, a principio a fonte e oferta nitrogenada.

A oferta nitrogenada está diretamente relacionada ao quadro clínico do paciente. Pacientes com insuficiência renal severa não devem receber mais do que 0,6-0,8g/Kg/dia de aminoácidos. Já pacientes com insuficiência renal aguda em hemodiálise podem receber entre 1,0-1,2g/Kg/dia e pacientes em diálise peritonial 1,2-1,5g/Kg/dia.

Nos casos de hiperhidratação ou edema, podemos lançar mão de soluções de aminoácidos a 15%, podendo assim fazer a oferta nitrogenada necessária, com restrição de volume final da mistura. Da mesma forma o uso de soluções de glicose a 70% e lipídios a 30% fazem sentido nestes casos.

3- Oferta de carboidratos – a segunda grande oferta a ser avaliada é a de carboidratos, quase sempre glicose, embora é possível utilizar-se frutose, xilitol e sorbitol. Contudo a glicose é a mais utilizada pelo seu preço, disponibilidade e maior conhecimento clinico.

É importante avaliar em uma prescrição médica que a quantidade de glicose prescrita para um período de administração( 8,12, 24h por exemplo), não ultrapassa a velocidade de infusão de glicose (VIG) de 5mg/Kg/minuto, que é o limite da capacidade de um indivíduo em oxidá-la. Velocidades superiores a esta podem resultar  na lipogênese a partir da glicose com deposição no fígado (esteatose).

A administração obrigatória de insulina na NPT nem sempre é observada em nosso meio. Contudo é de fundamental importância a adição de 1 a 2 terços da dose diária de insulina na NPT, que tem papel importante para a metabolização da glicose no interior das células.

4- Oferta de lipídios – a oferta de lipídios se dá pela necessidade da oferta de ácidos graxos essenciais, ou ainda como fonte altamente calórica. (9Kcal/g).

A oferta de lipídios pode-se se dar juntamente com os aminoácidos e glicose em um único recipiente – chamada NPT 3 em 1, ou ainda em recipiente separado.

A oferta em pediatria nunca deve exceder a velocidade de 0,21-1,70 ml/kg/h no caso de emulsão lipídica a 10% ou 0,10-0,85 ml/kg/h para emulsões a 20%. Em adultos 500ml de emulsão lipídica a 10% não deve ser administrada em um período inferior a 3 horas e 500ml de emulsão a 20% em período não inferior a 5 horas. O farmacêutico deve estar atento quando da avaliação farmacêutica para a quantidade prescrita e o tempo de infusão.

Existem casos relatados de reações adversas ao uso de emulsões lipídicas em pacientes que apresentam alergia ao ovo. Isto se deve ao fato de o emulsificante utilizado na preparação do produto tratar-se da lecitina da gema do ovo.

A utilização de misturas 3 em 1 pode trazer mais complicações que benefícios se não sofrer uma criteriosa avaliação farmacêutica. Estas complicações se agravam ainda mais na neonatologia aonde utilizamos volumes restritos com altas concentrações de eletrólitos e baixa concentração de aminoácidos.

A instabilização da emulsão, levando a coalescência e floculação está relacionada diretamente a componentes típicos de uma NPT (eletrólitos – notadamente os cátions, glicose, pH, temperatura de administração entre outros)

É preciso avaliar com muita clareza e determinação a conveniência do uso deste tipo de mistura. O papel do farmacêutico neste caso é de extrema importância.

Existem correntes de profissionais farmacêuticos , em outros países, que radicalmente não recomendam em nenhum caso o uso de NPT 3 em 1.

5- Eletrólitos – A avaliação metabólica do paciente é de fundamental importância antes do inicio da TNP.

As alterações eletrolíticas e metabólicas severas devem ser corrigidas, sempre que possível, antes do inicio da TPN. Os problemas eletrolíticos severos podem ser corrigidos via de regra por via periférica.

Utilizar-se da NPT para este fim é um procedimento de risco pelo custo que ela representa.

A avaliação frequente de alterações eletrolíticas e metabólicas na fase inicial da TNP está diretamente relacionada com a sua eficácia e diminuição das complicações.

Os resultados laboratoriais devem ser avaliados diariamente antes da prescrição e avaliação farmacêutica da nova NPT. O conhecimento dos medicamentos que o paciente está utilizando e sua influência sobre o 

seu perfil eletrolítico é de extrema importância

Exemplo destes medicamentos são:

  • a- os antiácidos pelo seu conteúdo de cálcio, magnésio e alumínio. Pacientes em uso de antiácidos devem controlar os níveis de fosfato pois este se ligam ao magnésio e ao alumínio.
  • b- Antibióticos pelos seus conteúdos de sódio e potássio para se evitar hipernatremia e hiperfosfatemia, especialmente nos pacientes com problemas cardíacos e renais. Cabe ainda ressaltar o caso da tetraciclina que se quela a cations com cálcio, magnésio e zinco e o caso da Anfotericina B que provoca hipocalemia, hipomagnesemia e hipocalcemia.
  • c- Corticóides , causam distúrbios eletrolíticos com retenção de sódio além de promover o catabolismo de proteínas e gliconeogênese (hiperglicemia)
  • d- Diuréticos – podem causar hipocalemia e hiponatremia. e- Octeotrida, por inibir a secreção de insulina pode-se observar quadros de hiperglicemia.

O uso de Bicarbonato de Sódio é contra-indicado pela formação de gás carbônico e precipitados de carbonato de cálcio e carbonato de magnésio. Em presença de vitamina C pode também precipitados de oxalato de cálcio. Na presença de acidose metabólica ao invés do uso de bicarbonato, devemos utilizar-se de seu precursor , o ion acetato ( acetato de sódio, acetato de potássio, acetato de zinco, etc.)

Já nos casos de alcalose podemos suprir os eletrólitos na forma de cloretos ( cloreto de sódio, cloreto de potássio, etc)

Por fim a presença de ions fosfato e cálcio na mistura podem provocar precipitados de fosfato de cálcio, levando a riscos de deposição capilar (embolia) ou entupimento do catéter. O precipitados se dão preferencialmente quando a concentração final de aminoácidos é inferior a 2,5%,  pH superior a 6,0 ou ainda quando a oferta conjunta de fosfato mais cálcio ultrapassa 40mEq/l.

É fundamental , sob a ótica do farmacêutico que deve assegurar misturas compatíveis e estáveis, a correta avaliação da prescrição.

6- Vitaminas – a oferta de vitaminas é de fundamental importância na NPT. Existem casos relatados na literatura de mortes causadas por acidose metabólica por deficiência de vitamina B1 (tiamina) na NPT.

Todas as vitaminas podem ser suplementadas  na NPT. Os preparados comercias contém as 9 vitaminas hidrossolúveis e 3 lipossolúveis, com exceção da Vitamina K.

A adição da vitamina K na NPT é controversa, visto que o fabricante somente recomenda a sua preparação comercial para uso intramuscular.

As emulsões lipídicas são fontes de vitamina K e fósforo, muitas vezes suficientes para as necessidades do paciente.

7- Oligoelementos – vários oligoelementos são reconhecidos como importantes para o homem. Contudo na prática da TNP fazemos uso de 5 deles que possuem doses estabelecidas pelo AMA/NAG – FDA ,  Zinco , Cromo, Manganês, Cobre e Selênio.  O uso destes oligoelementos, notadamente o selênio, somente se justificam em terapias prolongadas.  E importante que o farmacêutico avalie a prescrição de oligoelementos na presença de insuficiência renal, onde as doses devem ser obrigatoriamente reduzidas.

8- Outras drogas – adição de fármacos na NPT , com o objetivo de utiliza-la como veiculo, ou ainda co-  

        infundi-las  pela mesma, são questões que devem ser rigorosamente avaliadas pelo farmacêutico.  

       Conhecemos algumas drogas clássicas que podem ser adicionadas à NPT (ranitidina, cimetidina,

        heparina, insulina, aminofilina, etc) e outras que são claramente incompatíveis (anfotericina B, fenitoina,

        cefalotina, gentamicina, etc). Contudo é importante saber que a temperatura, pH, tempo de contato com a

        NPT, a forma de preparo e a opção do fármaco, são fatores que influem na sua compatibilidade.

9- Qualidade da preparação  -  com relação à esterilidade e apirogenicidade da preparação é importante ater-se aos diversas etapas envolvidas desde a prescrição da NPT até a sua administração. A portaria 272/98 do M.Saúde republicada no dia 15/04/99 no DOU. determina claramente a diretrizes mestres para garantir a qualidade intrínseca da mistura. Esta é uma competência exclusiva do profissional farmacêutico que deve exercê-la com competência e responsabilidade.

10- Uniformidade métrica na prescrição e rotulagem – devido a inúmeras complicações relacionadas à interpretação de prescrições e rótulos de NPT, é fundamental padronizar-se a métrica. A ASPEN em 1998 resolveu propor uma métrica a ser adotada a nível nacional, onde se expressa na NPT infantil e neonatal as quantidades contidas na mistura em quantidade/Kg/dia   e quantidade/dia e as NPT adulta em quantidade/dia e quantidade/litro.

Para aminoácidos , glicose e lipidios utiliza-se seu peso expresso em grama .  Para os eletrolitos – mEq (opcionalmente mMol para o P ),  Mutivitaminicos e Oligolementos – ml. Em nosso meio devemos nos empenhar para encontrar um caminho para também uniformizar uma métrica que evite complicações, na maioria das vezes deseatrosas.

Bibliografia recomendada

  • Driscoll DF, et al – Parenteral Nutrient Adixtures as drug vehicles – theory and practice-  Critcal Care Setting, 25, 276-283, 1991
  • Francke D.E., et al -  Perpectives in Clinical Pharmacy Drug Intelligence Publications, 1984
  • Joint Commission on Acreditation of Helthcare Organizations, 1995
  • Kinsella JE, et al, Dietary lipids, eicosanoids and imune system Crt.Care Med. 18, S96-S113, 1990
  • National Advisory Group on Standards and Practice Guidelines for Parenteral Nutrition -  Safe practices for parenteral nutrition formulations – ASPEN Board of Directors – 1998 – Journal Parenteral na Enteral Nutrition , 22, 2, March-April , 1998
  • Portaria 272/98 – Regulamento Técnico Terapia Nutricional Parenteral – Ministério da Sáude, 1998
  • Restler C. – Metabolic requirements and Nutrition in The handbool of head and spine trauma – Marcel Dekker, 1993
  • Task force on Specilaty recognition na certification of   nutritional support pharmacists – Am.J. Hosp Pharm 45, 162-170, 1988
  • Teasly-Strassburg K.- Nutrition Support Handbook – Harvey Whitney Co, 1992

Questões

  • 1-       A avaliação farmacêutica da prescrição médica se dá:
    • a-       por exigência legal
    • b-       para exclusivamente corrigir erros de prescrição
    • c-       porque avalia questões não anteriormente avaliadas
    • d-       duas estão corretas
    • e-       nenhuma está correta
  • 2-       O conhecimento de possíveis complicações envolvidas na terapia
    • a-       é fundamental para que se possa evitá-las ou controlá-las
    • b-       é fator limitante para a sua indicação
    • c-       faz com se contra-indique invariavelmente a terapia
    • d-       toda terapia envolve complicações
    • e-       duas estão corretas
  • 3-       Pelo conteúdo exposto na aula, no caso da terceirização do preparo da NPT para uma EPBS , o farmacêutico hospitalar:
    • a-       transfere para o farmacêutico da EPBS toda a responsabilidade relativa as complicações citadas
    • b-       a presença do farmacêutico na EMTN torna-se desnecessária
    • c-       o farmacêutico da EPBS é que responde exclusivamente, como profissional, para a EMTN
    • d-       a responsabilidade pelas complicações é partilhada pelos dois farmacêuticos
    •          e-   a responsabilidade pelas complicações é primeiramente do farmacêutico hospitalar.

* farmacêutico-bioquímico -  especialista em suporte nutricional SBNPE, ex-presidente do comitê de farmácia da SBNPE,   membro do   comitê   de  educação  e  desenvolvimento  da  seção   ibero-latino-americana    da American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN)

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